24 de abril de 2009

Pecado, a doença da alma

A história de Fausto (Goethe, 1806) é considerada um símbolo cultural da modernidade. Ela retrata a vida de um médico e intelectual alemão que, entediado e desiludido com o conhecimento que não lhe deu significado, e com a vida que não tinha mais sentido, faz um pacto com o demônio Mefistófeles, que se oferece para atender todos os seus desejos e vontades. Então ele se entrega aos prazeres nos vinte e quatro anos que fica sem envelhecer, em virtude do pacto que fizera, assinado com seu próprio sangue, e, no fim desse tempo, é levado para o inferno e a morte.

A busca obsessiva pela auto-realização tem levado o ser humano a pagar um preço muito alto para consegui-la. Neste vale-tudo da satisfação imediata, as pessoas se entregam sem limites e sem controle, seja a dieta ou ao sexo, ao consumo ou à malhação, expondo o corpo e a alma aos demônios modernos que se oferecem para atender todos os desejos e vontades. Tudo é feito com intensidade, sem uso da razão ou do bom senso, e com um custo espiritual, emocional e físico muito elevado.

O tédio, as incertezas, a negação do sagrado e dos valores éticos e morais tornam o ser humano vulnerável aos Mefistófeles modernos. Tiago, em sua pequena carta, nos apresenta numa rápida descrição a forma como o pecado é concebido e suas conseqüências para o corpo e a alma: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.13-15). Para Tiago, a tentação que dá à luz o pecado vem de nós, somente de nós. Não temos como responsabilizar ninguém, apenas nossa cobiça, que nos seduz, alimenta a luxúria interior de cada um, engravida e dá à luz o pecado, que nasce, cresce, fica adulto e se transforma num terrível assassino.

O pecado continua sendo o grande problema do ser humano. Porém, o que acontece hoje é que ele não representa mais um grande problema; pelo contrário, chega a ser glamourizado. Aquilo que no passado foi repudiado hoje é visto como virtude; ambição, ganância, vaidade, promiscuidade, consumo são valores em alta. Com o avanço da ciência, o pecado deixou de ser um conceito teológico para se transformar em “doenças” e ser tratado com remédios. A dor da culpa que Davi sentiu por ter ofendido a Deus e ao próximo, que ele descreve nos salmos de confissão, hoje não é mais tratada com arrependimento e confissão, mas com terapia e prozac. Porém, a raiz do problema da humanidade continua sendo o pecado, a cobiça de cada um de nós, que vem dando à luz este assassino serial, colocando em risco a pessoa, a família e a sociedade.

Sabemos que a força última que move o ser humano é seu desejo por Deus. Em suas “Confissões”, Agostinho expressa assim este desejo: “Contudo, esse homem, uma partícula da tua criação, quer louvar-te. Tu mesmo o incitas a deleitar-se nos teus louvores, porque nos fizeste para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em ti”. Por outro lado, se Deus não permanece no centro dos nossos desejos, eles se tornarão vulneráveis e confusos, levando-nos a ceder às seduções da mentira e do engano, envolvendo-nos em ilusões e paixões, numa busca insana de falsas realizações, adoecendo a alma e assassinando o corpo.

O que Tiago ou a história de Fausto nos revelam é que o personagem pensa que está no controle de tudo, gozando a vida como lhe agrada, se entregando a todos os desejos e prazeres; porém, só fica sabendo, às vezes tarde demais, que viveu uma grande ilusão e tornou-se menos real do que a figura sombria que o seduziu.

Como disse Agostinho, “Fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso coração permanece inquieto enquanto não repousar em ti”. Somente quando buscamos nossa realização e satisfação em Deus é que nossa alma encontra descanso e paz.


• Ricardo Barbosa de Sousa

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